O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) e o Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas (MPC-AM) expediram recomendação conjunta para assegurar que o governo do estado garanta a aplicação da lei estadual que rege o Programa de Regionalização da Merenda Escolar (Preme), da Lei de Licitações e da lei que trata da alimentação escolar adequada. O documento, encaminhado ao governador do Amazonas, ao secretário de Estado de Produção Rural e à presidente da Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), também solicita que os alimentos regionais não fornecidos por agricultores familiares, suas associações e cooperativas sejam adquiridos pela via da licitação.
De acordo com a recomendação, o Poder Executivo estadual não deve expedir edital de credenciamento, nem realizar contratações sem licitação de agroindústrias privadas que não sejam constituídas por agricultores familiares para adquirir os insumos destinados à merenda escolar (carnes, polpas de frutas, dentre outros itens).
Os ministérios públicos constataram grandes aquisições de carnes e polpas de frutas pela ADS, em quantidade certa e delimitada, junto a agroindústrias e frigoríficos de grande porte e privados não constituídos por agricultores familiares, sem licitação entre os anos de 2019 e 2020, na execução do Preme.
Segundo os órgãos que assinam a recomendação, podem ser contratadas agroindústrias para fornecimento de itens com demanda e quantidades limitadas para o programa, somente para suprir a merenda escolar no curto prazo, pelo tempo necessário à realização e conclusão dos processos licitatórios recomendados.
A recomendação também pede que os órgãos da esfera estadual estudem meios de atender a finalidade de incentivo a pequenas empresas, de acordo com as normas gerais de licitação.
O regime da lei do Programa de Regionalização da Merenda Escolar deve ser aperfeiçoado com o objetivo de garantir maior equidade, isonomia e clareza de critérios em benefício da agricultura familiar, com fixação de limites máximos por produtor individual e grupo formal nos casos de contingenciamento da demanda de fornecimento, ressaltam os órgãos na recomendação conjunta.
Regionalização e exclusividade
O documento expedido ao Poder Executivo estadual também observa que as compras de produtos regionais, no âmbito do Programa, devem ser exclusivas de agricultores familiares, estando inclusos povos indígenas, quilombolas e tradicionais em geral, suas associações e cooperativas.
A compra da alimentação escolar de povos indígenas, quilombolas e tradicionais em geral deve respeitar sua cultura e tradições, priorizando a compra direta de suas produções, conforme exposto em notas técnicas assinadas por órgãos como Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (Adaf), MPF e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). As notas técnicas estão disponíveis no site da Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil.
Também devem ser realizadas fiscalizações, por amostragem, para evitar que os produtores e os grupos formais sejam utilizados como meio para fornecimentos de empresas privadas.
No caso dos alimentos regionais que não são fornecidos por agricultores familiares, suas associações e cooperativas, a recomendação conjunta pede que seja aberto procedimento licitatório específico. "Nesse caso, a agroindústria privada não constituída por agricultores familiares poderá concorrer e fornecer para alimentação escolar, sem prejuízo da adoção de outras medidas pelo governo do Estado do Amazonas" em favor das empresas que se enquadrem nessa categoria, de acordo com a recomendação.
Por fim, os órgãos ministeriais recomendam que, no âmbito do Preme, a divisão dessas cotas seja realizada em encontro público (virtual ou presencial), previamente agendado, com a presença de todos os agricultores familiares interessados, suas associações e cooperativas habilitadas no credenciamento, com representantes do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam) e da Secretaria de Estado de Educação (Seduc).
O prazo para prestação de informações sobre o acatamento da recomendação é de 15 dias, a partir do recebimento do documento. O não atendimento das medidas apontadas implica na responsabilização dos destinatários e dirigentes dos órgãos recomendados, estando sujeitos a medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
Atuação institucional
A alimentação tradicional nas escolas é garantida pela lei e defendida pelo MPF na Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), que se reúne periodicamente desde o ano de 2016, contando com órgãos municipais, estaduais, federais, sociedade civil, lideranças e movimento indígena e de comunidades tradicionais para debate de medidas e implementação de políticas públicas que garantam a efetiva aplicação da Lei nº 11.947/2009 e a alimentação escolar tradicionalmente adequada a estes povos. A iniciativa pioneira no Amazonas foi expandida em âmbito nacional com a criação da Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil pela Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6ª Câmara de Coordenação e Revisão).
De acordo com a Lei 11.947/2009, que instituiu o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o emprego da alimentação saudável e adequada compreende o uso de alimentos variados, seguros, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica.
Fonte: mpf