O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde declare emergência em saúde pública de importância nacional em relação à contaminação por mercúrio na bacia do Rio Tapajós, no Oeste do Pará, especialmente entre o povo indígena Munduruku. A recomendação foi emitida durante o inquérito civil aberto pelo MPF para investigar as causas da contaminação e as medidas adotadas para prevenção e tratamento da população afetada.
De acordo com o inquérito, dois estudos foram realizados para avaliar os níveis de contaminação por mercúrio entre os Munduruku. O primeiro deles, conduzido por instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Imperial College London, revelou que 57,9% dos 197 participantes analisados apresentavam contaminação por mercúrio.
O procurador da República Gabriel Dalla Favera de Oliveira assina a recomendação do MPF, que também pede à Secretaria de Vigilância em Saúde que instaure um procedimento administrativo e encaminhe a recomendação de declaração de emergência à ministra da Saúde. O objetivo é intensificar as medidas de prevenção e tratamento da população afetada e apurar eventuais responsabilidades por omissão do Estado.
Altos índices de contaminação
Os altos índices de contaminação por mercúrio entre o povo indígena Munduruku, na bacia do Rio Tapajós, no Pará, são alarmantes. Segundo estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Imperial College London, 57,9% dos 197 participantes analisados apresentavam contaminação pelo metal tóxico. Mas, as crianças e adolescentes são as mais afetadas, sete em cada dez apresentavam índices de mercúrio acima de 6μg.g-1.
O estudo também revelou que quatro em cada dez crianças menores de cinco anos apresentavam elevadas concentrações de mercúrio nas amostras de cabelo analisadas, enquanto oito em cada dez crianças menores de 12 anos da aldeia Sawré Aboy também apresentavam altas concentrações do metal. O povo Munduruku consome peixes contaminados por mercúrio em concentrações muito acima dos limites internacionais de segurança, o que os coloca sob risco permanente de adoecer devido aos efeitos tóxicos do mercúrio em seus corpos.
De acordo com laudos da Polícia Federal e da Universidade Federal do Oeste do Pará, a mineração ilegal de ouro na região é a principal responsável pela contaminação, com despejo de mercúrio equivalente a uma barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), a cada 11 anos no leito do Rio Tapajós. Estima-se que até 221 toneladas de mercúrio são despejadas anualmente em decorrência de mineração e garimpagem ilegais no Brasil. Diante disso, o MPF recomendou à Secretaria de Vigilância em Saúde que instaure procedimento administrativo e recomende à ministra da Saúde que declare emergência em saúde pública de importância nacional na região, a fim de intensificar as medidas de prevenção e tratamento da população afetada e apurar eventuais responsabilidades por omissão do Estado.
Vulnerabilidade reconhecida
O procurador da República Gabriel Dalla Favera de Oliveira destaca que a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, firmada pelo Brasil em 2013, reconhece as vulnerabilidades particulares dos ecossistemas árticos e das comunidades indígenas, devido à biomagnificação do mercúrio e contaminação de alimentos tradicionais, bem como das preocupações com as comunidades indígenas de forma mais ampla, no que diz respeito aos efeitos do mercúrio.
“A persistência da deliberada omissão do Estado brasileiro em reconhecer e envidar esforços no sentido de prevenir a contaminação e tratar a população contaminada por mercúrio há de refletir, observando-se o alto grau de contaminação do povo indígena Munduruku, não apenas a vulneração dos direitos fundamentais à vida, à saúde e à felicidade, mas igualmente perspectiva etnocida, eis que redundará em relegar o povo Munduruku - e as demais populações afetadas – à própria sorte e assim lhe imputar o ônus de abandonar suas práticas tradicionais – inclusive alimentares - com vistas a garantir a sua subsistência.” - declarou o procurador.
O MPF também recomendou à Secretaria de Vigilância em Saúde que sejam analisadas, pelo menos, as seguintes medidas imprescindíveis à prevenção e tratamento:
· Desenvolvimento de plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração artesanal de ouro na região;
· Elaboração de Plano de Manejo de Risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio;
· Monitoramento sistemático dos níveis de mercúrio na população Munduruku;
· Monitoramento clínico sistemático de possíveis alterações neurológicas decorrentes dos altos níveis de mercúrio no organismo;
· Criação de programa específico de saúde, que tenha como objetivo reduzir o risco da exposição das mulheres em idade fértil a altos índices de mercúrio no organismo;
· Criação de programa de orientação dietética para minimizar exposição ao mercúrio;
· Criação de espaço de diálogo entre a população Munduruku e as instituições de saúde, para juntos compreender e intervir na proteção da saúde no contexto da problemática do mercúrio;
· Emprego da Força Nacional do Sistema Único de Saúde, com o fim de realizar a testagem compreensiva da população exposta à contaminação por mercúrio e, assim, possibilitar a realização de diagnóstico minimamente concreto da gravidade da exposição.
O MPF estabeleceu o prazo de 30 dias úteis para que a Secretaria de Vigilância em Saúde responda sobre o acatamento da recomendação.
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